segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Recriar o paraíso agora, para merecer quem vem depois

   
   No meio de diversas reflexões sobre a salvação da Terra, sobressai sempre aquelas que diz para não termos esperança, nem guardarmos sentimentos para este mundo material, pois ele jaz do maligno e habita todo o pecado do homem; um mundo impuro habitado por impuros que se conseguirem seguir as leis de Moisés ou manter a pureza espiritual, mesmo que mínima, ficarão puros, se libertarão e, assim sendo, poderão herdar o reino dos céus.
 Não venho redigir para criticar tal posição, nem muito menos levantar uma discussão sobre a existência do paraíso, até porque como eu já falava: "depois da morte é assunto de Deus", venho sim enfocar o perigo que estas afirmações de satanização à Terra e ao homem podem causar.
   Marx, certa vez, contrariou os religiosos mais exaltados quando afirmou que "a religião é o ópio do povo"; eu, como cristão, venho reconhecer a legitimidade desta complexa reflexão de Marx, sem abstraí-la, como fizeram os mais ortodoxos e absolutistas religiosos da sua época - e por incrível que pareça, ainda hoje há religiosos que continua a satanizar a obra marxiana, vejamos o exemplo de Dom Luciano José Cabral Duarte, que denominou o marxismo de antiteísta, entre tantos outros eclesiásticos!
  Marx suscitou um manifesto que implicava diretamente com as atribuições de satanização da Igreja a este mundo e ao homem pertencente a ele. Nesta perspectiva a Igreja servia para acalmar as massas, fazendo-as rejeitar este mundo material e pecaminoso, só se preocupando com seu quinhão no reino de Deus, onipresente e onipotente. Se analisarmos bem a reflexão de Marx, ele se acobertava da razão, uma vez que foi contemporâneo de uma Igreja que apresentava as verdades absolutas e inquestionáveis, além de desanimar os que desejavam sublevar-se contra o Estado, utilizando discursos, como. "Dai a César o que é de César; dai a Deus o que é de Deus", levando os pobres e explorados ao conformismo, utilizando o discurso de que eles eram os únicos capazes de entrar no reino de Deus, pois pagavam as indulgências, além de outros que afirmavam a incompatibilidade dos ricos entrarem no reino de Deus! Então pra quê se rebelar nesta Terra, se depois da morte terei fartura num mundo de gozo eterno? Portanto, essa era a grande crítica de Marx à religião, quando esta implicava com o direito do homem se indignar neste mundo do jeito que ele é, tentando transformá-lo.
   Contudo, Marx nunca negou a contribuição dos cristãos como aliados nas suas defesas, jamais deixou de aceitar cristãos para sublevar-se junto à ele e ao seu fiel companheiro Engels - prova disso eram os rebeldes franceses, em suma maioria cristãos, e também infiltrados no partido de Marx, inúmeros cristãos. A crítica era a onipotência da Igreja, mas não só a ela e sim a tudo que se mostrara onipotente!
   Mas não demoraria muito para a Igreja usar todo seu maquiavelismo e cartesianismo, taxando toda obra de Marx de atéia, demonizando todos os ditos marxistas e seguidores da obra marxiana, ratificando como tem uma excelente performance de abstração, logo "se és marxista, não és mais cristão". Começava aí uma guerra de pensamentos, religiosos e ideológicos, talvez até mais ideológicos por parte dos cristãos mais exaltados e fanáticos, que não aceitavam questionamentos as suas verdades absolutas e irretocáveis.
  Dando uma pausa no tema "marxistas X cristãos", venho manifestar o meu reconhecimento pela contribuição do marxismo para compreensão do homem e de seus meios; das classes sociais; da luta entre elas; das denúncias aos sistemas de imbecilização e fetichismo do ser humano; das lutas pela dignidade; da valorização do homem e do mundo; da utopia pela igualdade social; entre outras qualidades que me permitem redigir este texto não só para exaltar o marxismo, mas também as ciências sociais e o pensamento filosófico baseado na razão. Logo o que se busca é a incessante procura pela verdade, logo à busca por Deus. A negação da razão e da ciência custou caro para a Igreja, muito mais para as milhares de pessoas que foram assassinadas e torturadas por implicarem com suas verdades, poderia a Santa Igreja continuar negando a sabedoria humana? Digo e repito, como cristão, o que todos já sabem e a própria reconhece: a Igreja errou! A negação dos dois campos, filosófico e científico, causaram, causa e poderá causar ainda mais fundamentalismo e fanatismo religioso no seio do ser humano, mas também não peço que esqueçamos o sentimento, é este que dá o ar da graça e a busca pelo impossível.
      Voltando a intolerância da Igreja, creio que muitos marxistas, dito ateus, foram muito mais cristãos em atitudes, do que os fanáticos das catacumbas, que ao contrário dos seus mártires, nada fizeram para trazer à Terra a bondade enraizada no ser humano, e sim culpá-los pelo inigualável pecado de Eva! Se levarmos em consideração o Sermão do Monte de Cristo, podemos observar sua vontade em ver os homens lutar por justiça nesta Terra; leiam isso, que não é um trecho do Manifesto Comunista (se bem que poderia), mas sim a palavra de Jesus de Nazaré. "bem-aventurados aqueles que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados" ou aquele em que diz. "bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, porque o reino dos céus é para eles". Posso-lhes garantir que Jesus mostrara-se engrandecido com aqueles que procuram a verdade, e olha só: a verdade aqui na Terra! Infelizmente procuram abstrair a fala em que Cristo diz que este mundo não é o dele (que me parece uma frase bem interpretativa, diferente do Sermão, que é uma clara incitação à busca pela justiça).
       Talvez o mundo que Jesus disse que não era o dele é o mundo da humilhação, da exploração, da opressão, do espólio à natureza, da fome, da miséria, entre outras anomalias; e quando o mesmo exalta aqueles que lutam por justiça e dignidade nesta Terra, que ele supostamente nega, deixa em evidência sua alegria em ver homens lutando por outros homens, fazendo disto uma virtude cristã e que este mundo, outrora perturbado, venha a ser digno dos filhos de Deus. Mesmo que vocês não acreditem mais na salvação da Terra, não é justo que desviem os olhares desta mãe que te abraça como o pai que abraça o filho pródigo; se acreditam tanto no paraíso, e nas leis que tem que seguir, não irão para lá, pois os omissos e frouxos não são dignos desta dádiva. Como diria o mestre Paulo Freire, grande pensador da Teologia da Libertação. "Eu não posso chegar lá, a não ser a partir de cá".



                                                                                                                                                     Osnar Gomes dos Santos


Título inspirado na música "O sal da Terra", de Beto Guedes.

Um comentário:

  1. Muito interessante o texto...
    Bom de saborear essas ideias...
    Eu gostei tanto de ver o que foi citado sobre a disseminação do pensamento cristão e do comunista.
    Já ouvi gente dizer que Cristo foi o primeiro comunista.=p
    Talvez um exagero, mas passível de uma analise.
    =D

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